domingo, 13 de fevereiro de 2011

O espelho que Narciso detesta.


Ele era assim: cabelos castanhos, de pele alva, costumes finos, parecia um esboço de homem europeu. Chocava-se com certas realidades da vida urbana: violência, falta de respeito, de educação, desigualdade, fome, injustiças... Tudo isso para disfarçar que possuía sentimentos humanos, embora se julgasse como sendo um semi-deus. Sempre na defensiva contra si mesmo, exaltava-se como sendo um homem bom em tudo que fazia, se achava bonito através de suas lentes Rayban, denotando sempre uma vaidade forçada para atrair elogios alheios, e, tinha a absoluta certeza de que era irresistível aos olhos fêmeos; adorava usar creme contra as longitudes e latitudes de seus 46 anos.
Primo pobre de Narciso, era apaixonado por si mesmo. Esse “si mesmo” era mais uma autoafirmação para os outros, do que uma paixão voltada para seu ego. Era uma necessidade de poder ser algo para além do super homem, justificando todo o sofrimento que em outrora havia passado. Como ser humano, fora casado, teve uma filha. E esse matrimônio lhe rendeu alguns traumas típicos de uma sociedade moderna: mulher emancipada, dona de si, das situações, dos outros e dele. Como semi-deus, jamais aceitaria um contexto imperfeito, que não lhe fosse favorável. Essa extensão de sofrimento foi desconfigurando uma imagem perfeita que o espelho refletia todas as manhãs antes do seu desjejum, uma imagem que precisava transcender toda agonia de antes. Então, passou a tratar as mulheres de forma cafajéstica: fingia que se apaixonava de verdade, e depois de conquistá-las, restava apenas uma saudação que afirmasse sua vontade de potência: tchau! No outro dia, aparecia de mãos dadas com outras, para aumentar o histórico da carência, da indecisão e do egoísmo. Como todo homem que se preza, tinha isso como troféus conquistados nas disputas subentendidas entre os machos de uma sociedade normal.
Não tardou muito para que ele se “apaixonasse” por outra. A diferença, desta para as demais, era que ela sabia o que queria e o que não queria, ela era vivida, atrevida, sentia cheiro de sacanagem de longe.
Certa vez, num bar denominado Cantinho do Rei, numa conversa e outra, ela fez com que ele se enxergasse no espelho; usou táticas freudeanas, piageteanas, entre outras, com o intuito de reeducá-lo para si mesmo e para os outros. E essa reeducação permitia um novo olhar para as inconsequências passionais que esvaziava a fragilidade escondida por trás de um escudo. O que ele viu foi a figura de um homem lindo externamente, nítido aos olhos humanos, mas que internamente era desconfigurado e ridículo e não havia espelho que dissesse o contrário. Imediatamente, tomado pela tristeza de ter se conhecido profundamente, através de uma imagem real e bem refletida, a partir de um espelho quebrado, tomou um gole de cerveja e mergulhou num lago de tristeza consentindo o quão era feio aos olhos espertos, críticos e sagazes.

Andressa Fabião

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