segunda-feira, 7 de junho de 2010

Com que língua eu vou?


Esse artigo não tem o objetivo de defender uma língua portuguesa pautada apenas nas regras gramaticais e nem tampouco desprezá-las. Tem a finalidade de refletirmos até que ponto a norma padrão é considerada como uma ferramenta da escrita em nosso dia-a-dia e em que aspecto ela é descabida.

Assim como a ocasião determina o modo de vestirmos determinada roupa, a nossa linguagem também necessita de algumas “vestimentas” para se adequar à situação “comunicacional”*. Ora, se vou à praia, uso biquíni/maiô, se a um casamento, uso uma roupa fina, se ao mercado da Torre, short, argolas e sandálias havaianas.
Desse mesmo modo, a linguagem falada ou escrita segue essa linha de raciocínio: a adequação.
Por exemplo: não dá para chegar em uma padaria e soltar a mais ortodoxa frase: “Dê- me 2 reais de pães franceses.” Isso soaria como uma expressão típica daqueles que têm necessidade de expor seus conhecimentos formais. O padeiro, certamente, ficará com receio de responder, com medo de se pronunciar incorretamente, e você corre o risco de não ser bem interpretado.
Oswaldo de Andrade, poeta brasileiro, já debochava desse abuso formal, num verso famosíssimo de um de seus poemas, “Pronominais”:
“Dê-me um cigarro, diz a gramática do professor e do aluno...” Ao final do poema, ele rebate criticamente: "... Mas o bom negro e o bom branco da nação brasileira dizem todos os dias: Deixa disso camarada, me dá um cigarro.”
Eis uma regra da gramática: colocação pronominal, ou seja, onde o pronome oblíquo deve ser grafado “corretamente”. Ninguém fala “ler-te-ei no site ParlamentoPb”.
O português brasileiro, dificilmente, respeita essa particularidade da língua formal: muito pouco usada na escrita, e nenhum uso na fala. Mas, insistimos em segui-la por um simples capricho do padrão. Aplausos para os dominantes, para os prosadores antigos, trovadores, filósofos tradicionais, retóricos e literatos arcaicos!
Atualmente, o nosso mérito, enquanto falantes da Língua Portuguesa, equivale à compreensão e domínio das variantes lingüísticas, tanto da linguagem oral, como da escrita; ou seja, usá-las equilibradamente. Evanildo Bechara, grande referência linguístico-gramatical do Brasil, disse “É preciso ser poliglota do seu próprio idioma”; expondo claramente sua defesa pelo uso adequado das variantes linguísticas.
As leis determinadas pela gramática são exigidas em algumas situações da escrita, diferentemente das situações de informalidade, que requerem uma linguagem mais objetiva, que facilite a comunicação entre os usuários da língua, como ocorre no internetês e nas mensagens eletrônicas, entre outros recursos modernos. Absurdo? E o que podemos dizer, então, daquela estranha linguagem utilizada nos antigos telegramas? Enfim, eram utilizados também por “gramatiqueiros”, esses que tanto defendem a ditadura gramatical. É necessário que aprendamos essas regras, sim, para escrevermos um oficio, um artigo de opinião, um discurso político, uma carta formal, etc., mas não devemos ser reféns desses manuais preestabelecidos e fechados. A linguagem é um sistema aberto, dinâmico, onde todos os dias surgem os neologismos, novas gírias, novos códigos e signos.
Marcos Bagno - grande linguista brasileiro – considera, em dimensões, a linguagem como um vasto deserto, e a gramática como um pequeno oásis.
Então, por que devemos considerar as marcas linguísticas formais como sendo as únicas corretas e que merecem prestigio?
Afinal, quem surgiu primeiro, a linguagem humana ou a gramática?
O nóis vai é uma expressão oralmente correta, se considerarmos “as regras gramaticais” dos sertões da vida, por isso devemos respeitar o modo de falar brasileiro, pois nesse país existem muitos dialetos espalhados, cujo objetivo é nos levar a um único lugar; ao entendimento das coisas, a partir de um fundamento humano: a comunicação.

*neologismo criado especialmente para o texto.

3 comentários:

  1. As situações de comunicação e uso da língua ditam as regras. Somos atores sociais, carregando uma língua diferente para cada ocasião.

    É como diz mais ou menos aquele velho ditado:
    "cada língua no seu lábio"; no 'galho' não, por que fica muito alto, e nem todos têm acesso.

    Ótimo texto.

    Beijos.
    Ricardo

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